Envelhecimento da população leva confecções a reavaliar estratégias
Pelo menos dois indicadores do perfil da população brasileira dão sinais de que começam a mexer com o mundo da moda no país. Vamos a eles. Em dez anos, de 2014 a 2024, a população infantil até 14 anos, caiu 11,4%, enquanto a adulta cresceu 12,4%. Em números absolutos, o número de crianças caiu de 47,5 milhões para 42,1 milhões, e o de adultos subiu de 155,2 milhões para 174,5 milhões no período. Os dados, levantados pelo IEMI - Inteligência de Mercado com base em informações do IBGE, estão levando a indústria e o varejo de confecções, ainda que de forma tímida, a reavaliar o foco de seus produtos. Vestir e calçar a população do Brasil não é mais como há dez, 15 anos. O envelhecimento dos brasileiros está forçando a indústria da moda a mexer em estilo, modelagens e tamanhos. “O país está envelhecendo. Os empresários da moda devem ficar atentos a esse movimento. Alguns já estão”, afirma Marcelo Prado, sócio-fundador do IEMI. O grupo Elian, fundado em 1990 em Jaraguá do Sul (SC), nasceu para produzir roupas exclusivas para o público infanto-juvenil, com as marcas Elian e Colorittá, principalmente. Há cerca de cinco anos entendeu que era a hora de dar impulso a outra marca, criada em 2010, para o público adulto feminino - a Marialícia, que apontava como promissor. O resultado é que a Marialícia já representa 20% da venda total do grupo e 30% do e-commerce. Está presente em aproximadamente 5 mil lojas espalhadas pelo país. “A Marialícia atende mulheres jovens e maduras e é a que mais cresce no grupo. A barreira de idade está cada vez menor”, afirma Basílio César Gaedke, gerente de marketing do grupo Elian. Prado, do IEMI, que acompanha e estuda há décadas o mercado têxtil no país, diz que grandes marcas, inclusive de calçados, estão, ainda que de forma sutil, ajustando os seus produtos. Ajustar os produtos significa atender não apenas o público infantil, mas também ter linhas de produtos para atender desde os consumidores mais jovens até os mais maduros, com foco em conforto. Roupas mais duráveis e confortáveis são cada vez mais demandadas, especialmente por mulheres mais maduras, diz Prado, que já não têm mais interesse em 'modinha.' Consumo de vestuário em queda Além da necessidade de acompanhar com mais atenção aos desejos de uma população mais envelhecida em relação às peças do vestuário, há desafios colocados para o setor. Em dez anos, de 2014 a 2024, caiu 5,9% o volume de vendas no varejo de vestuário, de 6,57 bilhões de peças para 6,18 bilhões. A queda no setor de roupas infantis e para bebês foi ainda maior, de 9,7%, de 1,57 bilhão para 1,41 bilhão de peças, no período. Em valores, os números também mostram queda, de 12,7%. Em 2014, o varejo de vestuário vendeu R$ 337,7 bilhões (a preços de 2024) e, no ano passado, R$ 294,9 bilhões. No caso do varejo de vestuário infantil e para bebês, a queda chegou a 14,6%, de R$ 70,4 bilhões para R$ 60,1 bilhões, no período de dez anos.
“Essa redução nas vendas em valores, maior do que a em volume, sugere uma possível diminuição nos preços médios das peças e ou uma mudança no mix de produtos”, explica Prado. O setor de roupas infantis, diz, além de perder volume, perdeu participação em valor, refletindo os efeitos demográficos e a reconfiguração de prioridades de consumo das famílias.
Sem efeito
De 2014 a 2024, o consumo das famílias teve uma alta de 10,3%, passando de R$ 6,79 trilhões para R$ 7,49 trilhões e a renda per capita da população, 8,3%, de acordo com o IEMI. O crescimento da população adulta e da renda foi positivo para o mercado consumidor.
“Só que esse aumento não se traduziu numa alta proporcional do consumo de vestuário. A cesta de consumo está mais diversificada”, diz Prado.
Duas redes de lojas especializadas em roupas femininas, a Criatiff e a Scene, do grupo Santamarca, estão sentindo a retração no consumo de roupas. Sérgio Zeitunlian, diretor de expansão do grupo, afirma que, apesar de estar em um nicho com tendência de expansão - o que atende às mulheres mais maduras -, as vendas no terceiro trimestre foram “péssimas”.
A inadimplência, o alto endividamento das famílias e a elevada taxa de juros, em sua avaliação, são os principais motivos do enfraquecimento do consumo no último trimestre. “A saúde de um país é avaliada pela taxa de juros. O Brasil está doente. Nós, empresários, vivemos de expectativas e uma economia com juros de 15% ao ano. Isso não é saudável”, diz.
Diante deste cenário, o grupo Santamarca decidiu segurar os investimentos em expansão. No ano passado, Zeitunlian abriu 12 lojas da Criatiff e 11 da Scene. Neste ano, nenhuma. “Não temos perspectivas de abrir mais lojas nem no ano que vem. Vamos esperar as eleições para ter uma ideia de como deve ficar a economia.”
De janeiro até agora, as vendas da Criatiff, com 60 lojas, caíram cerca de 14%. As vendas da Scene estão em crescimento porque a marca voltou ao mercado no ano passado. Para chamar a atenção do público para a linha destinada às mulheres, o grupo Elian convidou a atriz Vanessa Giácomo para ser protagonista de uma campanha da marca Marialícia.
A ideia da campanha é mostrar que a marca é uma aliada para mulheres que buscam se expressar, se sentirem confiantes, confortáveis e bonitas, além de entregar um estilo de vida.
Para Prado, do IEMI, a indústria da moda tem de se adaptar, considerando que as famílias, com menos filhos, viajam mais e, portanto, precisam de roupas confortáveis para a ocasião. Se as idas à academia estão aumentando, diz, eis outro indicador de que a moda fitness pode ser uma alternativa para crescer no setor de confecção, sem esquecer do tamanho plus size.
Parece óbvio, mas são alertas importantes para quem quer concorrer no mundo da moda, de acordo com Prado, do IEMI.