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IA torna golpes de sites falsos ainda mais sofisticados

Há um mês, a empresária Natalia Rocha, fundadora do Basiquinha Bazar, anunciou em seu Instagram que faria uma ação promocional das peças novas e seminovas que vende de forma on-line para todo o Brasil e presencialmente em uma loja no Rio de Janeiro. Com quase 50 mil seguidores nas redes sociais, o aviso despertou o interesse de muita gente, incluindo golpistas da falsa venda.

Embora seja uma tática criminosa antiga, a modalidade ganhou ainda mais fôlego com as redes sociais e o avanço da Inteligência Artificial. De modo geral, essa fraude consiste em anúncios chamativos com superpromoções, que acabam por direcionar os usuários para endereços que imitam sites verdadeiros com trocas sutis, como, por exemplo, uma letra a mais na URL do site ou um símbolo gráfico, como o underline, ou utilizando nomes similares.

Após a vítima cair no golpe e pagar pela falsa compra, muitas vezes a encenação continua para dar impressão de legitimidade. O cliente recebe mensagens confirmando que o pedido foi pago e informações de contato para o pós-venda, mas o produto nunca chega.

Foi assim com muitas clientes de Natalia. Nos últimos dias, a empresária tem recebido reclamações de dezenas de consumidores dizendo ter caído no golpe. Na tentativa de simular o endereço oficial da loja  www.basiquinha.com.br, os criminosos adicionaram a palavra bazar, que faz parte do nome do negócio, para não levantar suspeitas e induzir os consumidores ao erro.

 

Diariamente, de dez a quinze clientes escrevem para ela contando o que houve, indignados com o perfil falso nas redes. No Instagram, há cerca de 300 comentários em uma das postagens falando sobre a fraude. Muitas afirmam ter caído no golpe, outras dizem ter desconfiado e poucas relatam ter recebido um alerta do banco antes de realizar o Pix. Desde então, a empresária faz postagens diárias sobre o caso, além de ter fixado alguns avisos no feed contando o que tem acontecido.

"Nessa leva de reclamações, soubemos que muitos outros negócios têm sofrido com isso e que algumas investigações já mostram que se trata de um negócio bem paramentado. São funcionários com horário de trabalho fixo, dentro de escritórios, que ganham por comissão, fazem atendimento ao cliente e são parte de um negócio robusto que age como se fosse uma empresa formal", disse Natália.

De acordo com a empresária, em média, seus clientes gastaram R$ 250 com compras que nunca receberão. Mesmo denunciando o caso para o Instagram, a empresária segue tendo problemas - depois de muito tempo, dois perfis foram derrubados, conta Natália, mas um terceiro segue ativo e com quase 35 mil seguidores. Os anúncios patrocinados seguem alcançando, principalmente, usuários do Sul do país, que não conhecem a loja pessoalmente, nem o perfil pessoal da empresária.

"Quem nos conhece sabe que mesmo em uma sale não trabalhamos com preços assim tão baixos e, logo, desconfiam. Tem consumidora comprando bolsa Louis Vuitton por R$ 70, um valor muito baixo. Mesmo assim, elas não têm culpa de nada, só precisam ficar atentas".

Algo parecido aconteceu recentemente com a Cacau Show. Publicações falsas e patrocinadas sugeriam o “Desafio da Memória Cacau Show – Páscoa 2025”, que poderia levar o consumidor a conseguir descontos de até 85% em produtos da marca. A promoção, no entanto, não era feita pela Cacau Show - o site oficial da marca não informava nenhuma promoção similar, nem os perfis oficiais nas redes sociais faziam menção a qualquer promoção relacionada.

Assim como relatado por Natália, o falso anúncio surgia por meio de publicações pagas no Facebook e redirecionava os clientes para um site interativo com o jogo, repleto de imagens de produtos da Cacau Show. Ao completar o desafio da memória, o site solicitava o número do CPF do consumidor para liberar uma espécie de cupom de desconto e gerar acesso a uma nova página onde eram apresentadas as opções de compra dos produtos.

Assim como na Basiquinha Bazar, a diferença de preço era notável. No site oficial, um dos produtos que custa R$ 209,99 pode chegar a R$ 109,90 com desconto. Já no site falso, o mesmo produto estava anunciado por R$ 54,90. Outro produto com 2 kg de chocolate, que custa R$ 399,99, era anunciado por R$ 79,90. Após concluir a compra, alguns clientes dizem ter recebido até um código de rastreamento, supostamente vinculado a alguma transportadora, mas o número era inválido. Nomes como Maria Filó, Cia Marítima, Ollie, também registraram queixas similares no início deste ano.

Esse tipo de abordagem está entre as três ações mais comunicadas por clientes em 2024 às instituições associadas e que foram repassadas à Febraban (Federação Brasileira de Bancos). No último ano foram investidos cerca de R$ 5 bilhões em segurança e prevenção a fraudes e crimes cibernéticos, de acordo com Walter Faria, diretor-adjunto de Serviços da Febraban.

O golpe da falsa venda foi o segundo mais reportado - mais de 150 mil queixas -, quando criminosos criam páginas falsas que simulam e-commerce, enviam promoções inexistentes por e-mails, SMS e mensagens de WhatsApp e investem na criação de perfis falsos de lojas em redes sociais. A orientação do órgão é se atentar primeiramente ao preço que precisa atender a uma estimativa média do comércio. Fotos e vídeos de antes e depois de produtos com resultados mirabolantes, poucas opções de pagamento, e-commerce ou rede social recém-criado são pontos de alerta, assim como links recebidos em e-mails e mensagens.

Outro problema levantado por Natália, que vai além dos danos financeiros, é a reputação da marca que pode ficar prejudicada. Na tentativa de reaver seus prejuízos ou até mesmo para alertar futuros consumidores, há clientes que optam por expor o caso no Reclame Aqui (plataforma usada para verificar problemas e reclamações relacionados a uma marca).

"No final, é o nome da minha loja que vai aparecer como golpista e tem gente pouco habituada a essas ocorrências que não vai saber separar uma coisa da outra".

IA sofisticou a fraude

Como os próprios números mostram, o episódio vivido pela Basiquinha Bazar não é algo isolado. Para o advogado Luiz Augusto D'Urso, especialista em Crimes Digitais e Coordenador-Geral do Conselho de Segurança Cibernética e de Dados Pessoais da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), o que chama a atenção agora é a sofisticação desses crimes com o uso da inteligência artificial (IA).

Os sinais de alerta que antes sugeriam alguma fraude, como pequenas alterações em relação ao site original, como letras trocadas, números adicionados ou extensões diferentes, competem agora com perfis em redes sociais que estampam o rosto e a fala do dono de determinada loja.

"O criminoso consegue produzir conteúdo falso dando muita credibilidade e eficiência para a fraude. Daí vem a absoluta negligência das plataformas que não impedem e, de certa forma, favorecem a atividade criminosa com impulsionamento, link patrocinado, google ads e um canal de denúncia que não funciona", disse o advogado.

Do ponto de vista tecnológico e legal, D'Urso diz que não há como se blindar. Pensando na imagem da marca e em possíveis problemas jurídicos, a melhor coisa a ser feita é ser ativo na comunicação e divulgar em abundância que outros perfis estão se passando pela loja e destacando o endereço oficial da marca - e, principalmente, ter esse material arquivado para se proteger.

Registrar um boletim de ocorrência por clonagem de site também é um caminho possível e importante para reunir provas necessárias, como printscreens do site clonado e reclamações dos clientes, e judicializar o caso para que um juiz decida com celeridade notificar o provedor de internet, como, por exemplo, o Facebook, Google. Sendo otimista, esse processo pode demorar pouco mais de uma semana.

O advogado ainda destaca que uma reclamação no Reclame Aqui feita indevidamente pode ser contestada e desativada quando equivocada e não relativa a uma compra oficial. 

 

IMAGEM: Freepik